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Não lido Ter, 3 de Outubro de 2006   #1
andre_vg
 
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andre_vg está no bom caminho
TESE: Contribuiçao do estudo de bateria para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras

Contribuição do estudo de bateria para o desenvolvimento de habilidades psicomotoras gerais

Contribution of drum study for the development of general psycho-motor abilities
Felipe Viegas Rodrigues e Alfredo Pereira Jr. "
Depto. Educação, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Botucatu, Botucatu, São Paulo, Brasil
Resumo
Esta pesquisa procurou verificar se haveria uma correlação entre o estudo de bateria, em um intervalo de tempo de 6 meses, com um melhor desempenho em dois testes de habilidades psicomotoras gerais, os quais foram criados especialmente para este estudo. Os resultados obtidos mostram uma correlação positiva, confirmando outras pesquisas semelhantes, porém a complexidade de fatores envolvidos no processo demanda a continuidade da investigação, incorporando experimentos de controle para se descartar a ocorrência de um efeito de aprendizagem do teste utilizado.
Palavras-chave: neurociência; habilidades; coordenação motora; educação musical; bateria.
Abstract
This research verified if there was a correlation between the study of drums, in a time interval of 6 months, with a better performance in two tests of general psychomotor abilities, which were created especially for this research. The results show a positive correlation, confirming another similar research; however, the complexity of factors involved in the process demand a continuity of the inquiry, adding experiments of control to discard the occurrence of a learning effect of the used test.
Keywords : neuroscience; abilities; motor coordination, musical education; drums.
1. Introdução

A música está presente no dia-a-dia das pessoas e parece ter um papel maior do que simplesmente o entretenimento. A reatividade à música é inata ao homem e relacionada com diversas funções cerebrais, como tem apontado vários trabalhos (Rentfrow e Gosling, 2003; Peretz, 2002; Patel, 2003; Sloboda, 1993).
O estudo de instrumentos musicais possivelmente contribui para o desenvolvimento psicomotor, embora não se saiba exatamente a magnitude desta contribuição ou como ela ocorre (Schlaug, 2001; Nordstrom e Butler, 2002). Até agora, os conhecimentos que se tem são de que as habilidades motoras associadas ao estudo de música estão estreitamente relacionadas ao desenvolvimento cognitivo (Palmer e Meyer, 2000) e que os músicos se caracterizam por possuir habilidades avançadas de monitorar sua performance, e/ou planejar eventos subseqüentes. Tais capacidades de planejamento e monitoração aumentam principalmente durante os estágios iniciais de aquisição de habilidades (Palmer e Drake, 1997, 2000).
Ainda, segundo estudos de Ramnani e Passingham (2001), durante a aprendizagem de ritmos complexos, o tempo de resposta a estímulos visuais diminui e a precisão das respostas aumenta com o treino. Estes autores também sugerem que, após um período de aprendizagem rítmica, o cérebro passa a basear-se em marcadores internos, e não somente em pistas externas, para gerar as respostas adequadas.
Outro aspecto importante da música é de que o reforço do desenvolvimento psicomotor pelo seu estudo e/ou a musicoterapia pode ser de grande utilidade para a recuperação de vítimas de traumatismos cranianos que sofreram coma ( Formisano et al. , 2001) e/ou outras injúrias cerebrais, ou ainda para a (re)habilitação de portadores de deficiências cognitivas e/ou motoras. Apesar da importância do tema, ainda há poucos estudos sobre o desenvolvimento de habilidades psicomotoras gerais através do estudo de instrumentos musicais específicos.
O presente trabalho busca verificar se o estudo de bateria, em um intervalo de tempo de 6 meses, correlaciona-se com uma melhor performance dos estudantes no desempenho das duas atividades psicomotoras abaixo descritas.


2. Materiais e métodos

A pesquisa foi realizada junto ao Instituto de Bateria Northon Vannali ( http://www.northonva n alli.com.br ), localizado na cidade de Presidente Prudente, estado de São Paulo, Brasil. Foram realizados testes com 29 alunos de bateria do instituto, escolhidos entre aqueles que têm menos de 3 anos de estudo do instrumento, e com idade entre 10 e 27 anos.
Foram realizados dois testes psicomotores, em duas etapas. A primeira etapa foi realizada em janeiro de 2003, e a segunda em agosto do mesmo ano. No intervalo de 6 meses entre as duas etapas os alunos deram continuidade aos seus estudos de bateria, sem realizar qualquer treinamento dirigido para melhorar a performance na segunda etapa dos testes. Consideramos apenas os resultados dos alunos (19) que participaram de ambas as etapas. Os resultados daqueles que realizaram apenas a primeira etapa e não comparecerem à segunda foram desconsiderados.
O primeiro teste, intitulado Experimento 1 , presente em ambas as etapas, utilizou uma série de 50 slides desenvolvidos no programa Powerpoint Ò , os quais são seqüencialmente apresentados por dois segundos cada. Os slides são constituídos de um retângulo contendo quatro retângulos menores, cuja cor (preta ou branca) indica um movimento de braços e/ou pernas do aluno, ou repouso (Figura 1). Quando esses retângulos menores apareciam preenchidos pela cor preta, o estudante deveria movimentar o(s) membro(s) correspondente(s), e pela cor branca, deveria manter o(s) membro(s) correspondente(s) em repouso.
Os resultados foram registrados pelo experimentador em uma folha de respostas previamente elaborada, constando de quatro retângulos vazios, em que foram assinalados os movimentos executados pelos sujeitos para cada slide. Posteriormente foram contados os números de erros por estudante, desconsiderando-se os dez primeiros slides do teste. Os erros foram tabulados em duas categorias: erros em movimentos contralaterais, os quais assumimos que poderiam ser mais reduzidos a partir do estudo da bateria, e o total de erros por estudante.
O segundo teste, intitulado Experimento 2 , também constante de ambas as etapas, consistia de um tabuleiro de damas com 64 casas (32 brancas e 32 pretas) que deveria ser completamente preenchido pelo aluno com 64 peças (32 brancas e 32 pretas) a ele fornecidas. A tarefa em questão deveria ser realizada respeitando-se apenas duas regras: as pedras deveriam ser colocadas nas casa de cor correspondente (branco com branco e preto com preto), e as pedras deveriam ser sempre colocadas duas a duas, pegando-se uma em cada mão e levando-se as duas mãos concomitantemente ao tabuleiro.
Inicialmente as pedras encontravam-se dispostas de ambos os lados do tabuleiro, à frente do estudante, 32 de cada lado (sendo 16 brancas e 16 pretas). O tempo para realizar a tarefa foi registrado pelo experimentador com o auxílio de um cronômetro, considerando-se a tarefa como melhor realizada em proporção inversa ao tempo utilizado. Para cada erro na disposição das pedras (cores trocadas) foi acrescentado cinco segundos ao tempo total do estudante.
Ao se realizar ambos os testes, com um intervalo de 6 meses, assumimos que durante a execução da primeira fase dos testes não haveria um efeito de aprendizagem capaz de perdurar pelo período de 6 meses, a ponto de influenciar a performance dos alunos na segunda fase. Também assumimos que os alunos não realizaram qualquer tipo de treinamento para melhorar sua performance nos testes. Portanto, as melhoras significativas das performances, comparando-se as duas etapas, seriam creditadas ao estudo da bateria, concluindo-se que nossa hipótese teria sido confirmada; no caso de haver uma piora das performances, ou no caso de não ocorrer alteração significativa, consideraríamos nossa hipótese desconfirmada.
3. Resultados

Os resultados obtidos encontram-se nas tabelas abaixo. A Tabela 1 mostra uma melhora de 40,8% na performance dos alunos no Experimento 1, quanto aos movimentos totais. A melhora nos movimentos contralaterais foi de 45,5%. A Tabela 2 mostra uma melhora de 21,4% na performance dos alunos no Experimento 2.

4. Discussão

Os resultados obtidos indicam claramente uma melhora na performance dos alunos nos testes realizados na segunda etapa (agosto de 2003), comparativamente à primeira etapa (janeiro de 2003). Principalmente no primeiro teste, onde se verificou uma melhora de 40,8%; a evidência aponta no sentido de uma contribuição do estudo de bateria para tal tipo de habilidade psicomotora. Entretanto, devemos considerar vários fatores envolvidos nos experimentos, que podem não intencionalmente ter favorecido tais resultados.
Um importante fator a ser considerado é o modo de processamento cognitivo das tarefas pelos estudantes: será que eles utilizaram apenas mecanismos psicomotores automatizados, ou também utilizaram estratégias cognitivas para a realização das tarefas? Esta questão se torna pertinente ao se notar os diversos resultados recentes na Neurociência Cognitiva, mostrando que o cerebelo, cujo papel no comportamento motor já está bem estabelecido, também estaria envolvido no processamento cognitivo (Bloedel e Bracha, 1997; Doyon, 1997; Habas, 2001; Hikosaka e colaboradores, 2002; Parsons e Fox, 1997; Van Mier e Petersen, 2002).
Em observação realizada durante a execução do teste, notamos que a maioria dos alunos aparentemente não utilizou uma estratégia de otimização da performance, principalmente porque o tempo disponível para a apreensão da mensagem visual, seleção e execução da resposta motora era exíguo. Stewart e colaboradores (2003) sugerem que a leitura musical envolve uma tradução sensório-motora em que as figuras utilizadas para denotar a música (partituras, tablaturas) são usadas pelo cérebro como guias para a escolha do comportamento motor (p.ex., que teclas apertar, no caso de um piano ou teclado). O raciocínio pode ser transposto para outros instrumentos e tarefas sensório-motoras; no caso do Experimento 1 , o estímulo visual guiou a seleção de qual(is) membro(s) deveria(m) ser acionado(s). Isso talvez explique porque foram os alunos mais antigos que apresentaram respostas mais rápidas e corretas, indicando um desenvolvimento psicomotor mais avançado, atingindo o estágio em que a passagem da apreensão da mensagem visual para a execução dos movimentos se torna mais automática, como apontado por Palmer e Meyer (2000).
Foi observada uma maior proporção dos erros em movimentos com membros contralaterais, em comparação com os movimentos com membros ipsolaterais. Aproximadamente metade do total de erros apresentados pelos alunos (média), tanto na primeira quanto na segunda etapa dos testes, foi em movimentos simultâneos com membros contralaterais, entretanto, a proporção de erros nos movimentos contralaterais (em relação aos totais) diminuiu 4,5%. Esse dado pode indicar que o estudo de bateria tende a melhorar a independência de movimentos contralaterais de um indivíduo, como assumimos anteriormente, ou pode simplesmente não ser significativo; mais estudos seriam necessários para confirmar uma das hipóteses.
No segundo teste, a utilização de estratégias foi aparentemente importante para o sucesso da tarefa. Observamos que alguns alunos realizaram a tarefa de forma organizada, em que as pedras eram dispostas no tabuleiro selecionando-se as cores (ou seja, primeiro somente pedras brancas e depois as pretas, ou vice-versa) ou simplesmente dispondo as pedras no tabuleiro em linhas horizontais ou verticais. Os menores tempos na realização da tarefa foram obtidos dessa forma, pois a disposição das pedras de modo aleatório aparentemente gerou uma dificuldade de se enxergar os espaços ainda livres no tabuleiro quando da colocação das últimas peças.
Apesar dos resultados da primeira etapa não terem sido divulgados para eles, alguns alunos aparentemente re-elaboraram suas estratégias na segunda etapa do experimento (2), seja dispondo as pedras em colunas ou linhas, seja dispondo-as por cor. A possibilidade de que tenha ocorrido tal tipo de aprendizagem por ocasião da primeira etapa, com a conseqüente re-elaboração de estratégias para a segunda etapa, implica na necessidade de novos experimentos, com a consideração de um grupo controle, para corroboração dos resultados aqui relatados.
Deve-se ressaltar também a provável existência de diferenças individuais, ou seja, alguns alunos são naturalmente mais rápidos e outros mais lentos, como apontado por Sloboda (2000). Se compararmos o menor e o maior tempo verificados no Experimento 2 , veremos que o primeiro é menos da metade do segundo, na primeira coleta de dados. Isso poderia sugerir que o aluno mais lento é cognitivamente mais fraco e não teria uma melhora significativa nas tarefas; entretanto, sua melhora é muito maior que a do aluno mais rápido, mostrando que sua relativa lentidão na realização da tarefa não implica em incapacidade de desenvolvimento psicomotor. Por outro lado, é mais fácil que alguém que tenha demorado três minutos para realizar a tarefa melhore, do que aquele aluno que a realizou em um minuto e meio.
Portanto, para o presente estudo não é importante que as pessoas realizem as tarefas com maior ou menor rapidez. O que realmente nos interessa é quanto o indivíduo melhorou durante os seis meses em que esteve estudando bateria. Nesse aspecto, a maioria deles apresentou uma melhora em ambos os testes. Como suporte para a hipótese de que tal melhora deve-se ao estudo de bateria, verificamos, por meio de contato com o professor, que aqueles alunos apontados como sendo mais estudiosos tiveram uma maior melhora na performance em ambos os testes. Portanto, em futuras repetições dos experimentos, também é importante confrontar os resultados obtidos nos testes com a avaliação da aprendizagem de bateria feita pelo professor.
5. Conclusão

Os resultados do teste apontam para a confirmação da hipótese levantada, de que o estudo da bateria contribui para o desenvolvimento psicomotor geral.
Esta conclusão se afina com trabalhos realizados por Schlaug (2001), Nordstrom e Butler (2002) e Palmer e Meyer (2000), sugerindo que o estudo de um instrumento musical, nesse caso em particular a bateria, parece trazer uma contribuição significativa para as habilidades psicomotoras gerais dos estudantes. Porém, a complexidade dos fatores envolvidos requer a realização de novos experimentos, levando-se em conta tanto a possibilidade de uma aprendizagem e re-elaboração de estratégias independentemente dos estudos de bateria, quanto à possibilidade de que os alunos não tenham o rendimento esperado no próprio estudo de bateria. Para dar conta da primeira possibilidade, é preciso trabalhar com um grupo controle, e para dar conta da segunda possibilidade, é preciso coletar as avaliações da aprendizagem de bateria feitas pelo(s) professor(es), e compará-las com a melhoria apresentada entre as duas etapas dos testes. Pretendemos, em nova pesquisa, abordar também esses fatores, para se conseguir reduzir a incerteza quanto à validade da hipótese.
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